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O poeta Cesário Verde

Morto prematuramente, foi curta a obra que nos deixou. No entanto, o caráter ousado de um realismo lírico e prosaico confere à sua poesia importância determinante no contexto da segunda metade do séc. XIX e perspectivando já algumas vertentes da modernidade do séc. XX.

Filho do lavrador e comerciante José Anastácio Verde e de Maria da Piedade dos Santos Verde, Cesário matriculou-se no Curso Superior de Letras em 1873, frequentando por apenas alguns meses o curso de Letras. Ali conheceu Silva Pinto, grande amigo pelo resto da vida. Dividia-se entre a produção de poesias (publicadas em jornais) e as atividades de comerciante, herdadas do pai.

Em 1877 começou a dar sinais a tuberculose, doença que já lhe tirara o irmão e a irmã. Estas mortes servem de inspiração a um de seus principais poemas, Nós (1884). Trabalhador na loja de ferragens de seu pai em Lisboa, também viveu o ambiente rural de uma quinta familiar em Linda-a-Pastora. Dessas vivências resulta o profundo conhecimento da dicotomia campo-cidade, patente numa poesia repleta de motivos populares e na utilização verbal dos objetos mais triviais. A observação das situações do cotidiano é o ponto de partida preferencial para os poemas de Cesário Verde. É o mundo real, rotineiro, que é retratado e analisado, servindo de suporte às ideias e sentimentos do poeta.

Eis algumas das características estilísticas e linguísticas: vocabulário objetivo; imagens extremamente visuais de modo a dar uma dimensão realista do mundo (daí poeta-pintor); pormenor descritivo; mistura o físico e o moral; combina sensações; usa sinestesias, metáforas, comparações; emprega dois ou mais adjetivos para qualificar o mesmo substantivo. Através de processos impressionistas, de grande sugestividade (condensando e combinando, por exemplo, sensações físicas e morais num só elemento), levou a cabo uma renovação ímpar, no século XIX, da estilística poética portuguesa, abrindo caminho ao modernismo e influenciando decisivamente poetas posteriores. 

Tenta curar-se tuberculose, mas sem sucesso; vem a falecer em Julho de 1886. No ano seguinte Silva Pinto organiza O Livro de Cesário Verde (disponível ao público em 1901), compilação da sua poesia.

Eis alguns de seus poemas:

Vaidosa 

Dizem que tu és pura como um lírio 
E mais fria e insensível que o granito, 
E que eu que passo aí por favorito 
Vivo louco de dor e de martírio. 

Contam que tens um modo altivo e sério, 
Que és muito desdenhosa e presumida, 
E que o maior prazer da tua vida, 
Seria acompanhar-me ao cemitério. 

Chamam-te a bela imperatriz das fátuas, 
a déspota, a fatal, o figurino, 
E afirmam que és um molde alabastrino, 
E não tens coração como as estátuas. 

E narram o cruel martirológio 
Dos que são teus, ó corpo sem defeito, 
E julgam que é monótono o teu peito 
Como o bater cadente dum relógio. 

Porém eu sei que tu, que como um ópio 
Me matas, me desvairas e adormeces 
És tão loira e doirada como as messes 
E possuis muito amor… muito “amor próprio”.

De Tarde

Naquele pique-nique de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!

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